A Besta Esfolada

terça-feira, março 27, 2007

A Casa de Sarto

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Aquando da comemoração do primeiro aniversário do "Pasquim da Reacção", felicitei o Corcunda pelo elevadíssimo nível e distinção que tem sabido manter na blogosfera, qualidades que tornaram o espaço de que é responsável em algo verdadeiramente ímpar e de visita obrigatória diária; dois anos depois, reitero em pleno as considerações que então teci. E porque aos aniversariantes é hábito oferecer-se uma prenda, aqui deixo estas linhas de Frei Fortunato de São Boaventura, bem a propósito retiradas do célebre "Punhal dos Corcundas" (1824) e citadas em "Os Nossos Mestres ou o Breviário da Contra-Revolução", obra coligida por Fernando Campos:
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- A questão que mais vezes me tem feito dar voltas ao juízo é a da soberania do povo. Havia sete séculos que se dizia que a soberania estava no Rei. Em todo este espaço Portugal formou-se em Reino, ganhou poder, caiu, levantou-se, e sempre se engrandeceu. Quem notando estes acontecimentos não via que a soberania posta em El-Rei está muito bem posta? Todavia depois de 24 de Agosto começou a dizer-se que a soberania residia essencialmente na nação, isto é, que a nação não é nação sem ser soberana! Confesso que ouvindo esta doutrina senti em mim certa comoção estranha, e tal qual se sente pela aparição de fenómenos imprevistos, espantosos e anteriormente ignorados.
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- Assentemos de uma vez que nunca o Povo se diz soberano para outro fim mais do que cair toda a soberania nas mãos de um punhado de aventureiros, que desta arte lhe fazem a boca doce, enquanto mui a salvo, e a despeito da moral cristã e dos princípios mais vulgares de decência, vão enchendo a bolsa.
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- Desta soberania armada no ar entrei a desconfiar ainda mais quando vi seus efeitos práticos. Dizia-se que o povo havia de nomear quem lhe fizesse as leis, e que El-Rei devia executá-las à risca. Mas na nomeação de deputados vi que tudo era ambição e maranha. O povo não sabia ler, e nomeava por escrito quem os mais poderosos e os mais manhosos queriam para seus representantes. Ele profanou a autoridade de deputados, dando-lhes apelidos que nem ao diabo lembram. Profanou-a dando aos deputados os nomes de pais da pátria, de legisladores, de reformadores dos abusos, de liberais, etc., e bem sabia eu que os antigos davam raras vezes o nome de pai da pátria, e só a varões ao pé dos quais Fern. Th., M. B. C., etc., são como um ratinho ao pé de um elefante da Ásia.
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- Mas quando eu vi o Salão das Cortes cheio de bandalhos e petimetres, tão fofos como um sapo inchado, vomitando sandices e minando os alicerces da Religião e da Monarquia, desenganei-me de que a tal soberania era uma farsa armada para certos fins. Que diabo de soberania é esta (dizia eu) que traz inquieta a nação, espalha a impiedade, persegue os bons, desmancha a máquina da Monarquia, excita a guerra civil, provoca as tropas ultramontanas e prepara a anarquia? É para isto que foi proclamada a soberania do povo.
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- A soberania do povo
De que na antiguidade sagrada ou profana, por mais que se busque, não aparecem vestígios, antes pelo contrário quanto mais perto da origem da sociedade chegam os trabalhos e exames históricos, vai-se parar constantemente em algum Rei, ou Juiz, ou Magistrado Supremo… o que é tão certo que o ditado vulgar, "haja um que nos governe", já o era mil anos antes que Jesus Cristo viesse ao mundo.
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- Um Rei deve ser clemente; e já dizia um filósofo antigo (Séneca) que era tão indecoroso a um Rei o perdoar a todos, como o castigar a todos; há porém muitos lances em que uma desmesurada clemência é um crime de que o Rei dos Reis lhe tomará uma estreitíssima conta.
JSarto
in,
A Casa de Sarto

domingo, março 04, 2007

A Casa de Sarto

Do "Sermão sobre a Verdade da Religião Católica"
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Conforme havia prometido aos meus leitores, trago-lhes hoje um extracto retirado do magnífico "Sermão sobre a Verdade da Religião Católica" que o Padre José Agostinho Macedo pregou na Quaresma de 1817, na Igreja de Nossa Senhora dos Mártires de Lisboa. Aqui fica o mesmo, na época própria e com uma estranha actualidade cento e noventa anos depois:
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Em todos os tempos desagradou a muitos a Religião Católica, não só porque é muito sublime o que propõe para crer, mas porque é muito dificultoso o que propõe para praticar. Ainda em nossos dias muitos dos bárbaros não têm dificuldade em acreditar nossos mistérios. E como a poderiam ter, se cada um deles em suas seitas acredita coisas tão estranhas e tão repugnantes, que tem mais que vencer em acreditar as suas loucuras que as nossas verdades? O seu trabalho consiste em sujeitar-se às nossas leis. Estas têm rebelado à Igreja cem nações, e conservam ainda muitos povos na infidelidade. Uns se declaram contra a penitência como um peso muito gravoso, outros contra o nosso culto como coisa muito supersticiosa, outros contra a castidade como um preceito muito difícil. Mas que conseguiram? Nada mais que mostrar a depravação dos seus corações sem alterar a pureza da nossa Religião. Por mais esforços que hajam feito as paixões humanas, não puderam ainda abolir uma só Lei no Código da Religião. Que digo eu abolir? Não puderam adoçá-las, ou temperá-las na mais pequena parte. Depois de tantos e tantos séculos, com tantos e tantos inimigos, cada ápice do Evangelho conserva ainda todo o seu rigor. Aquele sacrossanto jugo que trouxeram os Apóstolos, é o mesmo a que ainda submetemos o nosso pescoço, sem que se torne mais ligeiro, ou pelo tempo que estraga todas as coisas, ou pela violência que as rompe. Muito cumpria à humana fraqueza alargar os caminhos do Céu e dilatar-lhe algum passo mais. Muito cumpria que as portas do Paraíso fossem menos apertadas. Mas não, estas são de bronze, não se podem alargar mais. Embora se quebrantem muito os divinos preceitos, todos confessam que eles obrigam. Não é o homem casto, mas conhece que o deve ser; cometem-se delitos, mas sentem-se remorsos; e ainda que se obre contra a Lei, a Lei não dorme, mas grita, e chama a seu tribunal os transgressores.

Mas esta liberdade de transgredir a Lei, é o último, e talvez o maior sinal de que Deus assiste à sua Religião, pois a faz triunfar da depravação dos seus mesmos sequazes, inimigos tanto mais formidáveis quanto são mais ocultos e mais domésticos. Sou obrigado a falar das nossas ignomínias e me envergonho, que devendo fazer a resenha das palmas alcançadas pela Religião em suas vitórias, deva por necessidade encontrar-me com os nossos despojos. Eu o sei, mas não imaginava ler entre os títulos dos vencidos também o nosso nome. Mas é assim, triunfa a Religião de nós, sustentando-nos contra nós, não obstante a guerra terrível que nós lhe fazemos com os nossos vícios. À vista deles, quem não diria não ser possível que dure uma Religião contra a qual se revoltam os seus mesmos filhos? Observai como se vive nas cidades mais católicas, como em Lisboa se vive. Com quanta facilidade derramam aqui uns o sangue dos outros! Quantas inimizades há entre os particulares, quantas discórdias nas famílias! Que licença e devassidão nos mancebos! Que avareza nos velhos! Que injustiças nos tribunais, que violências nos soldados, que prepotências nos nobres, que enganos nos plebeus, que luxo, que vaidade, que liberdade nas mulheres! Se Deus não tivesse aqui deixado algumas almas justas, semente e relíquia dos séculos santos, seria esta cidade em tudo semelhante às cidades do paganismo. Quantos entre os gentios, porque nós vivemos com eles na Ásia, na África e na América, recusam crer como nós? Eis aqui os danos que causam os nossos vícios à Religião. O infiel não se resolve a abraçá-la, o fiel a perde. Não se alistam debaixo das bandeiras do Deus de Israel muitas tropas auxiliares que se alistariam, e aquelas que seguem estas bandeiras fazem quanto podem por destruir seu campo, abater seus estandartes e fazer retroceder a Arca Santa, que deviam defender e guardar! Tropas rebeldes, debalde vos afadigais! Os arraiais de Deus devem subsistir até à consumação dos séculos. Aquela Arca mística da Aliança em que se conserva a sua Lei e os seus mistérios, ainda que ameace cair, não cairá jamais. Não há necessidade de mãos profanas para a sustentar, Deus com a sua dextra impedirá a sua queda. Sua omnipotência a conservará firme entre os combates e fará ver que esta firmeza não pode ser senão uma impressão do seus braço divino, o qual, não satisfeito de autenticar a sua Religião com a virtudes dos milagres com que a promulgou por todo o mundo, com a efusão do sangue em que a sustentou contra os tiranos, com a força do saber que a sustentou contra os hereges, a autentica finalmente com o nosso viver depravado, e faz servir à sua firmeza os nossos mesmos pecados.
JSarto

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